Minha experiência com a dimensão econômica do GEDS - Gaia Education Design for Sustainability
“Os contos de fadas são mais do que verdadeiros;
não porque eles nos dizem que os dragões existem,
mas porque eles nos dizem que os dragões podem ser derrotados.”
Neil Gaiman - Coraline
Habitar esse mundo e tentar, minimamente, responder aos desafios a partir de um lugar de abundância, amor (interser), humildade e esperança, não só, a maior parte do tempo,
parece quase impossível, mas, muitas vezes, também é visto como ingênuo e recebido com cinismo. Ou o que, às vezes, é ainda mais doído, com um otimismo vazio, distante e simplista que não honra a coragem necessária e o trabalho diário que isso requer.
Diante da magnitude e força do que se apresenta, vamos nos apequenando enquanto nos perguntamos para onde vamos como planeta, como espécie, como sociedade. Estamos preocupados e nos sentindo imobilizados diante da desigualdade, pobreza extrema, mudança climática, poluição, lucros absurdos e incompreensíveis, racismo, escalada da violência...
Foi difícil, no começo, aceitar o convite de ir ganhando intimidade com o
papel que a economia convencional exerce, by design, em todo esse cenário.
Foi preciso abrir o peito e me deixar atravessar pela dor, ver a raiva surgir e conversar com ela. Foi preciso, depois disso, começar de novo, respirar para alargar o que estava apertado e focar a atenção em perspectivas mais amplas, antes de acessar lugares onde eu pude me lembrar que a compreensão que vem com essa intimidade carrega a semente da libertação (livre ação).
A partir desse lugar de possibilidade, e não de peso, foi maravilhoso me inserir, ainda que
de forma imaginária, no mundo de caminhos oferecidos até o final da dimensão e que me atravessavam, até agora, apenas como informação ou não me atravessavam de jeito
nenhum (acho que a palavra inserir não surge por acaso. Eu me sinto, de alguma forma,
mais inserida na economia, porque, agora, também dentro de mim, ela aparece com
dignidade suficiente, para ser inserida no social).
Como essa nova qualidade de inserção pode informar uma participação mais intencional? Para além das minhas opções de consumo, de como eu precifico meu trabalho ou de onde invisto meu dinheiro?
De que formas ela influencia meu estar nas comunidades de que faço parte?
Que possibilidades de remodelagem ela oferece ao meu artivismo e às minhas relações de troca?
Que novo gesto seria esse?
TEOLOGIA NARRATIVA #1
E eu disse a ele:
Há respostas para tudo isso?
E ele disse:
A resposta está em uma história e a história está sendo contada.
E eu disse:
Mas há tanta dor
E ela respondeu, claramente, A dor vai acontecer.
Então eu disse:
Será que algum dia encontrarei significado?
E eles disseram:
Você encontrará significado
Onde puser significado.
A resposta está em uma história e a história não está terminada.
Pádraig Ó Tuama - poeta, teólogo e mediador de conflitos irlandês
Mesmo com essa virada interna, não foi com pouca surpresa (e um certo deleite) que,
refletindo sobre a minha jornada na dimensão econômica e relendo reflexões pessoais e
postagens no fórum, me deparei com os vários poemas, metáforas poéticas e expressões espirituais.
Foi apenas no olhar para trás, nessa busca de um dar-se conta, de alinhavar as experiências em um todo, que uma imagem com significado surgiu.
Eu vi.
Há alguns anos, aprendi que a palavra poesia tem a mesma raiz da palavra poiesis.
Poiesis é uma palavra grega que expressa o conjunto de ações que transformam/dão
continuidade à vida no mundo. A poiesis nomeia o que se dá no entre de tudo que está
sendo contínua e dinamicamente tecido em nosso interser. Nesse sentido, ela habita o reino do invisível, um reino profundo, para além do alcance de nossas escolhas conscientes. O reino onde mentes são modificadas e corações engajados. Esse é o nível
generativo/regenerativo. Agir na poiesis é agir poeticamente – a escolha das palavras é
importante, a ordem das palavras é importante, mas depois isso se dissolve naquilo que o poema ilumina – um mundo que, porque foi falado, agora pode ser visto. E que, porque foi sentido, agora pode ser criado.
A poesia não é apenas o que os poetas escrevem.
A poesia é também o grande rio de murmúrios da alma que corre dentro da humanidade. Os poetas apenas trazem esse rio subterrâneo à tona por um momento, aqui e ali, em cascatas de som e significado sugerido, através de formas significativas.
Ben Okri – poeta nigeriano
A ação poética é aquela que serve à vida em sua plenitude no aqui-agora, onde não existem resultados, só caminhos.
Entretanto, em nosso atual contexto de incerteza absoluta e de crises que se interpõem e sobrepõem, quando mesmo conhecer a extensão do desafio é um trabalho hercúleo,
quando fazer escolhas conscientes se torna quase impossível diante da dificuldade de mapear nosso lugar e o impacto de nossas ações nas intrincadas redes de relações das quais fazemos parte, será que há realmente como servir plenamente à vida?
Não tenho resposta pra isso.
Mas acredito que, se olharmos de forma racional, vamos entender que não.
Para vislumbrar um sim, é preciso acessar formas superiores de cognição – imaginação,
inspiração e intuição...
E praticar atender um chamado do futuro como o da colina ensolarada de Rilke ou a
suspensão do céu do Krenak...
E criar fábulas contemporâneas, que iluminem nossas forças poiéticas e nos façam
novamente acreditar que conseguimos derrotar os dragões...
Esse foi o olhar que eu vi nas diversas histórias compartilhadas, na criação de formas de troca mais humanas e inclusivas. O olhar poético sempre atento às frestas por onde a vida espreita e aguarda para ser vista, entendendo que meio e fim são indissociáveis. Que adota uma postura experimental, submetendo suas crenças e certezas à ação metamorfoseadora do fazer, especialmente de um fazer engajado com outros, em contextos com multiplicidade de vozes. E, que, a partir disso, aceita os “erros” como iluminadores de partes desse contexto antes encobertos. O olhar de pessoas que querem mudar o mundo e que vão, paradoxalmente, se permitindo ser modificadas pelas experiências que esse mundo propõe.
Em nosso primeiro encontro no zoom, durante o exercício proposto pela Anna (facilitadora querida), ofereci a pergunta:
Quem acha que teremos tempo (... suficiente para que nossas ações regenerativas...)?
Agora percebo como essa pergunta nasceu em uma incapacidade de permanecer em
“incerteza viva” e na vontade de conquistar algum tipo de controle que sempre nasce dos sentimentos de impotência (sem me dar conta, naquele momento, que essa tentativa joga rapidinho pela janela toda a leveza, qualidade de atenção e poesia necessárias para encontrar o mundo, todos os dias, em seus desafios e suas promessas.
SE NOS RENDÊSSEMOS...
“Se nos rendêssemos
à inteligência da terra
poderíamos nos erguer enraizados, como as árvores.
Em vez disso, nos enredamos em nossos próprios nós e lutamos, solitários e confusos.
Então, como crianças, começamos de novo...
A cair,
pacientemente a confiar em nosso peso.
Até mesmo um pássaro tem que fazer isso antes de poder voar.”
Rainer Maria Rilke – O Livro das Horas II
Sigo caindo e aprendendo a confiar, cada vez mais, na inteligência da vida.
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